A tarde fria de Inverno descobria um sol luminoso e acolhedor. No meio de um enquadramento cuidado em materiais e geometrias, podiam-se ir encontrando as formas arrancadas à pedra de corpos de alguns dos nossos escritores que se distiguiram na poesia... Fernando Pessoa, Manuel Alegre e tantos outros. É então que vislumbro aquela figura firme de mulher com um vestido azul pálido e os cabelos amarelos. Foi uma mulher determinada e lutadora que, para além de poetisa e mãe, se inspirou nos filhos que criou para escrever contos infantis que encantam os pequenitos que os ouvem: " A Menina do Mar", "A noite de Natal", entre muitos outros.
Sento-me num rebordo de pedra. E, de repente, sinto-me viajar no tempo... para uma outra tarde também ela de Inverno e luminosa, só que a uns dias antes do Natal...
Sentados em pequenas almofadas coloridas dispersas pelo chão numa semi-penumbra esperavam ansiosos o que ainda não sabiam bem que iriam ver. O ambiente era simples e podiam ver-se alguns objectos que não sabiam para que serviriam. Os jovens rapazes e raparigas que os acolhiam procuravam sossegar aquelas cabecitas que em expectativa procuravam descortinar o que estava para acontecer.
Sentada na rectaguarda, num dos bancos de pedra que ladeava uma das pequenas janelas da Torre, sentia o frio que atravessava o tecido das calças, pensando que talvez aquele banco já ali estivesse há séculos na torre mais emblemática de Portugal... O Sol entrava pela janela. Não nos aquecia mas mostrava-nos uma paisagem linda sobre o Tejo que corria manso e magestoso. Transmitia-nos uma tranquilidade que contrastava com a agitação dos pequenitos que se calaram assim que as portas se fecharam. "Uma noite de Natal", ia começar. Conseguia aperceber-me do fascínio que começaram a sentir pela forma extremamente simples com que a história ia sendo contada por aquele pequeno grupo de jovens com os quais iam interagindo. Uma forma diferente de contar uma história com um mínimo da adereços e num espaço tão carismático da nossa História.
Não conhecia nenhum trabalho de Sophia, para além da "Menina do Mar" que vi representar com igual mestria na minha escola. Não sei se foi a história que me encantou mas o ver como foi contada. Não sei se o meu filho, o seu amiguinho e os outros meninos guardaram a recordação daqueles momentos. Mas, em mim, ficou gravada a magia daquela tarde... o toque dos sininhos, o gozo de ver a interacção com a pequenada, a capacidade de utilizar um mínimo de objectos e materias para contar uma história cheia de movimento e beleza. E, sobertudo, apreciar o encantamento de quantos ali estavam e ter como testemunha o Tejo que, tal como no tempo de Vasco da Gama, talvez ainda tenha a luz dos anjinhos que iluminaram o Natal da Joana e do Manel, personagens da história... Talvez eles ainda lá estejam e nos possam valer nesta fase em que se encontra o nosso país...
Tal como diz o refrão da Cantata da Paz de Sophia de Mello Breyner: "Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar". Que maior riqueza podemos proporcionar aos nossos filhos do que o gosto pela leitura e, porque não, um conto de Natal. Depois... A opção é deles.
(3 primeiras fotos tiradas em Fevereiro no Parque dos Poetas, em Oeiras e as seguintes do interior da Torre de Belém retiradas da NET)