Era rapariga.
Naquele dia estava sozinha em casa.
Só com a nossa bicharada.
Naquele dia estava sozinha em casa.
Só com a nossa bicharada.
Normalmente, era a mim que cabia a tarefa de cuidar das gaiolas. Gaiolas, onde pontos de cor amarela, azul, verde, vermelha, preta, branca, laranja, volitavam entre os pequenos ramos dos pinheiros secos que lá tinham sido postos para o efeito. Eles, eram periquitos de todas as cores que piavam em desacorde, no meio do canto bonito do canário que, com eles partilhava o pátio, do alto da sua gaiola, durante uma parte do dia. Juntamente com bicos-de-lacre e outros pequenos passarinhos, davam cor ao fundo do quintal ...
Era eu que, normalmente, tratava deles limpando as três gaiolas à "cowboy" ou "Tuaregue", que é como quem diz, com um lenço à frente do nariz e da boca, por causa do pó da areia que tinha que ser limpa ou renovada.
No meio de toda aquela passarada, havia um com quem a relação era de grande cumplicidade. Era o meu periquito amarelo. Assim que nos via chegar ao quintal, vinha para a borda da janela da gaiola. E aí começava o namoro _ Os nossos "pius"... Falávamos a língua dos "pius" que eu não entendia mas ele sim. Ele entendia que lhe queríamos bem e que, talvez, houvesse a hipótese de lhe darmos um dedo , ou a palma da mão, para se empoleirar. Ou, então, melhor, ainda, que eu lhe ia dar à mão um punhado dos mesmos grãos que ele tinha dentro do comedouro, mesmo dentro da gaiola, mas que à mão tinham outro sabor... Enquanto, ele se pendurava nos meus dedos, a pequena cabecita inclinava na antevisão do pleno gozo de sentir a cabeça coçada, afagada ou alisada... Era o ritual de todos os dias.
Mas naquele dia estava sozinha em casa, e o meu periquito amarelo não respondia. Girava a cabeça descoordenadamente. Os olhos estranhos não me seguiam. Tiro-o da gaiola. Não... já não olhava com aqueles olhos vivos de sempre. Seguro-o com cuidado. Pouso-o na mão esquerda, enquanto que, com o indicador da mão direita lhe procuro amparar os movimentos. As pálpebras descem. Os movimentos começam a ser mais lentos. Param. Fico uns fragmentos de segundo também eu parada. Parada no tempo e na minha solidão de momento. Dou um “urro”. Estava sozinha em casa...
Poiso-o na mesa, à frente de mim. Recuo. Toco a parede. Desço e apoio-me no rebordo da mesma parede. Tenho as mãos apoiadas nos joelhos dobrados. Estou sozinha em casa.... O choro entrecortado pelos soluços... O meu periquito amarelo morreu!...
Sinto um toque macio sobre a mão direita que se apoiava no joelho. Abro os olhos. Era o focinho do nosso Zorba. Olhava para mim. Era o “Glorinha” porque, tal como a Glorinha, da telenovela do romance de Jorge Amado, “Gabriela, Cravo e Canela”, passava a vida à janela do meu quarto a olhar para a rua. Era o nosso cão. Afinal, não estava sozinha. E não são necessárias palavras para sentir isso. Ao afagar-lhe a cabeça estava a consolar a perda do meu periquito amarelo. Ele entendia tudo... A única coisa que não entendia era que, eu tinha perdido o meu periquito amarelo, para sempre.
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1 comentário:
Gosto muito deste.
Não me lembro...mas talvez na altura
não me tenha apercebido tão "bem"
do desgosto que tiveste.
Creio que "hoje" compreendo melhor...
M.M.
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